Vivendo com menos de 50L de água por dia em Cape Town

Vivendo com menos de 50L de água por dia em Cape Town

Publicado em:
20/3/2018
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por Camilla Buenting

Eu contei aqui sobre a situação de Cape Town, que pode ser a primeira metrópole do mundo a ficar sem água. Em fevereiro, o governo decretou que cada pessoa pode usar 50 litros de água por dia pras suas necessidades e hoje quero te contar como é readaptar a vida pra essas limitações. Com a seca se prolongando e o Dia Zero se aproximando, todos estão se esforçando em repensar o consumo de água: residências, comércio e governo. O governo de Cape Town está lidando de uma forma bem diferente com a crise hídrica do que o governo de São Paulo, com sua crise de 2015. Aqui, os esforços estão concentrados em diminuir o consumo de água residencial, que corresponde a mais da metade do uso municipal da água. No episódio da seca de São Paulo, o governo também focou em ações para diminuir o uso residencial de água, porém, mais da metade do consumo da região metropolitana era pelos setores industriais e de serviço. Aqui, justamente por essa diferente distribuição do consumo, a ação do cidadão faz tanta diferença. Abaixo, uma rádio local elaborou o seguinte gráfico para guiar o uso de 50L de água por dia:  

A recomendação de 50 litros por pessoa, por dia, é pensada no consumo direto. Ou seja, inclui a água que se usa tanto em casa quanto no trabalho ou escola assim como em restaurantes e outros estabelecimentos comerciais. Por isso, é importante pensar em quanta água os nossos hábitos requerem. Aqui uma pequena lista de hábitos básicos para usar água de forma consciente:

  • Fechar a torneira enquanto escova os dentes, se barbeia, ensaboa as mãos, etc.
  • Não deixar a água correndo antes de entrar no chuveiro
  • Nunca abrir a torneira ou chuveiro a 100% da capacidade
  • Consertar imediatamente quaisquer vazamentos ou ‘pingamentos’. Esses representam em média 13% da sua conta de água! Em uma macro-escala, isso é ainda mais gritante.
  • Usar a máquina de lavar louça e de lavar roupa apenas cheias.

Porém, essas medidas não são suficientes para ficar dentro da quota de 50 litros por pessoa. Uma única descarga são 10 litros numa descarga normal. Três minutos de ducha são 66 litros numa ducha convencional.   Como eu estou fazendo para me manter dentro do teto de 50 litros por pessoa, por dia: Aqui vão algumas mudanças que eu fiz para me adaptar às restrições de consumo de água. Vale lembrar que eu alugo um quarto em uma casa, então só pude fazer alterações nos meus hábitos, e não mudanças estruturais na casa. Eu também tenho um jardim, que precisa de muita água para sobreviver o verão seco de Cape Town, ou seja, eu tenho muita necessidade de água e reaproveito minha água de reuso pras minhas plantas. Eu também não tenho carro, ou seja, não preciso lavá-lo.   BANHEIRO

  • Duchas de até 2 minutos: fecho a água enquanto me ensabôo, enquanto passo o shampoo, enquanto espero o condicionador agir
  • Lavo o cabelo apenas 2x por semana. E ninguém tá julgando :)
  • Não faço mais no banho: escovar os dentes ou lavar o rosto
  • Tenho uma garrafa de água tipo squeeze (que eu preencho com a água coletada do banho) na pia para lavar as mãos, limpar a pia da espuma da pasta de dente, etc.
  • Baldes no box para coletar qualquer água, e re-usar essa água para dar descarga, lavar os pés ou regar as plantas da casa.
  • Inseri uma garrafa de vinho na cisterna da privada ocupando volume na caixa do vaso sanitário, para que cada descarga use menos litros de água, quase 1 litro a menos. Uma descarga usa 9 litros de água. Uma descarga tipo dual-flush tem a opção de usar 9 ou 4,5 litros de água.
  • If it’s yellow, let it mellow,if it’s brown, flush it down. Em claro português, só dê descarga se for sólido. E, de novo, ninguém tá julgando, tá todo mundo passando pela mesma situação :)

COZINHA

  • Eu tenho dois baldes para lavar louça na pia: um para ensaboar, outro para enxaguar. Eu troco essa água apenas quando acho que está mais sujando os pratos do que lavando.
  • Descartar a água do primeiro balde quando apenas quando estiver realmente nojenta, e usar a água do balde de enxague para o balde de ensaboar, adicionando nova água ao balde de enxágue.
  • Enxaguar legumes e frutas e coletar essa água nos baldes para lavar louça.
  • Guardar água de cozimento da massa (sem óleo, apenas sal) também lavar pratos ou dar descarga.
  • Descongelar comidas naturalmente, ou na geladeira. Nunca em água corrente.
  • Coletar toda água de copo esquecida no balde de lavar louça para reutilizar. Ou direto nas plantas.
  • Na máquina de lavar louças, eu escolho a opção de usar a metade da água (“half-load”) e no modo “eco” - fica tudo limpinho, eu testei. Essa troca vou utilizar sempre.

 LIMPEZA

  • Usar roupas, aerá-las à noite, reusá-las (pode repetir look sim!!! #armáriocapsula), minimizando assim para apenas 2 usos de máquina de lavar por mês, incluindo roupa de cama. Uma máquina de lavar eficiente usa em torno de 50 litros por lavagem. Dependendo do ciclo e do modelo, até 150 litros de água!
  • Dar um banho de sol, o famoso “quarar” das nossas avós, nas toalhas de banho e roupa de cama, assim não cria cheiro - o sol é um dos melhores antibactericidas por aí! Assim, preciso lavá-las com menos frequência.
  • Usar a água de enxaguar legumes e pratos para lavar janelas, chão.
  • Uso a máquina de lavar roupas no ciclo mais rápido, com apenas um enxágue.
  • Como eu reuso muita água, e muita água vai para as plantas, eu tomo muito mais cuidado com os produtos de limpeza e produtos de higiene pessoal. Além de escolher tudo biodegradável, ser o mais natural possível e em poucas quantidades também é importante.

Outras mudanças que podem ser feitas:

  • Cortar o cabelo - menos água necessária para lavá-lo  (atualização: agora eu cortei!)
  • Se você tem filhos, por exemplo, encher (meia) banheira para os dois (ou mais), reaproveitando a água para dar descarga, é claro :)
  • O mesmo vale para cachorro!
  • Inserir aeradores em todas as torneiras da casa, diminuindo o uso de água de 20-30 litros por minuto para 6-10 litros por minuto. Isso reduz o consumo de água em 50-75%.
  • Trocar a boca do chuveiro para uma opção low-flow, diminuindo consumo de água de uns 22 litros por minuto para também 9-12 litros por minuto. Assim o consumo de água diminui, como também a energia necessária para aquecê-la (gás ou eletricidade).
  • Instalar uma descarga dual-flush, com opção de descarga para líquidos (3L) e sólidos (6-10L por descarga).
  • Instalar eletrodomésticos eficientes em uso de água. Uma lava-louças pode usar entre 40-75 litros de água por lavagem. Uma lava-louças eficiente, pode usar 13 litros de água. Geralmente, para máquinas de lavar roupa, aquelas com tambor horizontal (porta na frente) são mais eficientes que as com tambor vertical (porta em cima).
  • Desconectar o tubo de vazão da máquina de lavar louça e lavar roupa, coletar a água do ciclo em um balde e usar essa água também para lavar chão, ou irrigar o jardim.
  • Coletar água da chuva, usar para lavar pratos, lavar carro, dar descarga, irrigar as plantas, etc.
  • Utilizar plantas que não requerem muita água para seu jardim, como suculentas e cactus.

  Mas e agora?   Acima de tudo, essa experiência está me ensinando a olhar para a minha conta de água além do valor final que eu tenho que pagar, e sim para a quantidade de água que eu uso. Quando falamos de sustentabilidade, é muito importante measureto

manage, mensurar para manejar. Boas práticas para reduzir o consumo de água não estão restritos, porém, à esfera residencial e pessoal. Como expliquei antes, muitos estabelecimentos comerciais também estão se esforçando para diminuir seu consumo de água, como restaurantes usando a água do banho-maria para limpeza e trocar receitas por outras que precisam de menos água (como grelhar ao invés de ferver legumes), assim como outras práticas que podem ser adotadas em casa. Porém, muitos restaurantes e escritórios, assim como residências, estão embarcando em trocas que não são exatamente inteligentes em termos de uso de água consciente ou de sustentabilidade. Afinal, temos que levar em conta o impacto ambiental direto assim como o virtual. O primeiro exemplo, é o incentivo da venda de água engarrafada, ao invés de água da torneira (lembra que é potável?). Isso não faz muito sentido. Primeiramente, a maior parte da água engarrafada é engarrafada na região do Western Cape, ou seja, também está usando a água do sistema que está em crise. E mais, usa-se em torno de 13 litros de água para se fazer uma garrafa PET que só armazena 1 litro de água. Faz sentido? Não, né? Esse “cálculo” não é restrito apenas à região do Cabo. Uma proposta é apenas vender a água que é engarrafada em sistemas hídricos de outras regiões. Porém, temos que pensar na troca de impacto ambiental - continua o consumo de água apenas para fazer a garrafa PET e temos que adicionar o carbono pelo transporte dessa água. Outro exemplo é a troca do uso de copos, pratos e talheres por descartáveis  Isso apenas transfere um problema de água para um problema de lixão, poluição e dependência do petróleo. Isso sem contar na água usada na produção desses descartáveis que será jogada no lixo em apenas um uso.

‍Aviso no restaurante Vida e Caffe, "Nós vamos apenas servir café, bebidas e comida em descartáveis, embalagens pra viagem e não mais em xícaras de cerâmica, pires e pratos, para assim minimizar o uso da água"

Uma economia porca, pois é possível lavar louça com muito menos água. Ou então, usar descartáveis feitos de papel ou de outra fibra vegetal, compostáveis e biodegradáveis. Porém, a produção desses itens também requer água e não podemos esquecer do custo ambiental do transporte envolvido. Outras sugestões de trocas incluem usar mais shampoo seco ou lenços umedecidos para higienização pessoal. Então, nesse momento, mesmo os ativistas de sustentabilidade estão em debate. Tem gente em cima do muro e tem gente dos dois lados do muro. Será que vale a pena fazer essas trocas? E se for só enquanto tivermos em crise? Mas e se a escassez de água for o “novo normal”? Esse momento que a Cidade do Cabo está vivendo é muito único, pois está nos colocando na vanguarda para criar expertise com urgência em hábitos e soluções que podem nos ajudar a nos tornar conscientes consumidores de água.

Água é vida.

 

Camilla Buenting
Por:
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Sobre o movimento

Em 1º de Janeiro de 2015 nascia o Menos 1 Lixo, um desafio pessoal da Fe Cortez, de produzir menos lixo e provar que atitudes individuais somadas constroem um mundo mais sustentável.

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