Por Camilla Buenting
De onde eu vim
Em janeiro de 2016, eu me mudei do Rio de Janeiro para Cape Town para fazer meu mestrado em desenvolvimento sustentável. De todas as adaptações às quais eu me submeti com essa mudança, a mais gritante foi a minha relação com algo que eu não dava muita atenção: a água. O que está acontecendo Na África do Sul, a constituição determina que é a uma obrigação legal do governo realizar o direito humano (people’s right) à água na quantidade considerada suficiente para uma vida saudável. Isso significa que cada pessoa tem direito a 25 litros de água por dia pela lei. Na prática, isso significa que a água que chega até a sua torneira em zona urbana e periurbana é potável, e é da torneira que a gente bebe, toma banho, dá descarga e lava o carro.
Dams
Quando eu cheguei por aqui, o primeiro choque veio em relação ao clima. Aqui é o oposto do clima tropical carioca: o verão é quente e seco, e a maior parte da chuva acontece durante o inverno, com longas semanas de chuva fina, que escoam e re-abastecem os reservatórios de água da província. Porém, não choveu muito no inverno de 2016. Nem no de 2017. E com isso, o nível das represas de água da província de Western Cape foi se reduzindo ao longo dos meses, e hoje a Cidade do Cabo corre o risco de ser a primeira metrópole do mundo a ficar sem água.
O gráfico acima mostra o nível geral dos reservatórios de água da província de Western Cape, onde fica a Cidade do Cabo. No dia 20 de fevereiro de 2018, os reservatórios estavam com 22,9% de água. Quando chegar a 13%, chega no que chamamos de volume morto, ou seja, a água fica imprópria para consumo por conta da grande quantidade de sedimentos. No dia em que atingirmos o volume morto - o Dia Zero - o sistema municipal de água da Cidade do Cabo será fechado e nenhuma gota sairá da torneira. A partir do Dia Zero, residentes e não-residentes da Cidade do Cabo terão direito a 25 litros de água por dia por pessoa para todas as suas necessidades. 25 litros equivalem a um pouco mais de 2 baldes de água! A água deverá ser recolhida de um dos 200 pontos de distribuição, que funcionarão 24 horas por dia e serão monitorados pela polícia e militares. Como o governo está respondendo A crise hídrica de Western Cape, assim como todos os desafios de sustentabilidade (por exemplo, mudança climática
, perda de biodiversidade, poluição química, acidificação dos oceanos etc) são chamados de desastres de início lento (ao contrário de desastres de início súbito, como tsunamis ou terremotos). Além disso, a África do Sul, e especialmente a região do Cabo, é naturalmente um país em que água é escassa.
O governo de Western Cape vem aplicando restrições ao consumo de água desde dezembro de 2015. Como horários limitados de irrigação, proibição da limpeza de calçadas com mangueira e o aumento da tarifa pelo litro de água (quanto mais água se consome, mais caro fica o litro).
Desde Junho de 2017, as restrições estão mais severas. A irrigação de jardins com água municipal, a lavagem de carros e o preenchimento de piscinas estão proibidos. O governo sugeriu 100L de água por pessoa por dia, usados exclusivamente para beber, cozinhar e higiene pessoal essencial. Na imagem acima, as restrições que estão em vigor desde fevereiro de 2018. A quota caiu para 50 litros. Por residência, o consumo de água acima de 10.500 L por mês também está fisicamente impedido. O governo da Cidade do Cabo já vem diminuindo progressivamente a pressão do sistema por toda a cidade. Tudo isso para evitar que o temido Dia Zero chegue, e as chuvas de inverno ajudem a aumentar o volume dos reservatórios da província. O quadro abaixo ilustra o aumento do preço (em Rands, a moeda local) por litro de água de acordo com faixa de consumo e de acordo com o nível de restrição de consumo. Atualmente, já alcançamos o nível 6 de restrições.
Para uma base de comparação, a média de consumo direto de água de um residente urbano é de 165 L de água por dia, incluindo banho, cozinha, descarga, lavar louça, etc. Isso sem contar o consumo virtual de água: ou seja, quanta água foi necessária para o grão de café chegar até você em forma de capuccino, ou o algodão em forma de calça jeans. Porque precisamos prestar atenção ao nosso consumo de água Precisamos prestar mais atenção a como consumimos água. Apesar de mais de 70% da área da Terra ser coberta por água, 97% dessa água é água salgada. Dos 3% de toda a água doce do mundo, mais de ⅔ estão congelados. E do que sobrou, apenas 1% é própria para consumo humano. Com o atual ritmo de urbanização e ocidentalização do padrão de consumo, o estilo de vida da população global se torna mais e mais intensivo em consumo de água. Até 2030, estima-se que a demanda por água potável será 40% maior que a oferta de água. A água, é um recurso renovável, porém estamos usando esse recurso num ritmo mais rápido do que a água pode se renovar em seu ciclo natural. Atualmente, menos de 3% da água utilizada é reciclada. Ou seja, devolvemos a água à natureza cheia de material orgânico e inorgânico (leia-se esgoto e poluição!) sem quase nenhum tratamento ou filtro, deixando ao ciclo natural da água fazer o trabalho de “auto-limpeza”. Porém, com a quantidade de material não-biodegradável que estamos jogando nos rios, lençóis freáticos e oceanos, estamos minando a capacidade dos ecossistemas de renovar essa água. Vamos mudar nossos hábitos? Vivendo com 50 litros por dia por pessoa, muita coisa mudou na rotina dos capenianos, mas a gente não precisa esperar a crise pra economizar água. Quer saber como é viver com essa limitação? Clica aqui.
Em 1º de Janeiro de 2015 nascia o Menos 1 Lixo, um desafio pessoal da Fe Cortez, de produzir menos lixo e provar que atitudes individuais somadas constroem um mundo mais sustentável.