Já falamos sobre o canudo e por que ele é um grande problema ambiental. Fomos convidados pela Nestlé e pela Nescau pra conhecermos, em primeira mão, as novas embalagens do produto, pensadas em parceria com o Projeto Tamar. O evento foi na Praia do Forte, na Bahia, na base de um dos maiores projetos conservacionistas do Brasil.
O anúncio aconteceu depois de uma visita emocionante ao projeto em uma coletiva de imprensa na base do Tamar, no dia 05 de fevereiro: a Nescau se propôs a substituir gradativamente os canudos de plástico pelos de papel e oferecer no mercado uma embalagem sem canudinho. Além disso, a empresa lançou um projeto de inovação colaborativa, pra galera inscrever projetos (em português e em inglês) com objetivo de reduzir ou eliminar o impacto ambiental dos canudos nas embalagens do Nescau sem prejudicar a experiência do consumo. Pode ser uma ideia “mão na massa” ou voltada pra conscientização. As propostas vencedoras recebem um incentivo de 50 mil dólares e podem ser enviadas até o dia 07 de abril no site da Fundação Henri Nestlé.
A fala da tarde foi inaugurada pela Nina Marcovaldi, filha dos oceanógrafos fundadores do Projeto Tamar e bióloga marinha. Ela contou que a parceria foi muito bem recebida pela organização, que precisa de ajuda pra divulgar os perigos do plástico pro ecossistema marinho em todas as casas brasileiras. Nina considera um avanço ter uma empresa do tamanho da Nestlé incentivando uma conversa sobre o nosso consumo de canudinhos dentro da casa das pessoas, despertando curiosidade e conhecimento sobre os canudos nas crianças.
A principal ameaça às tartarugas marinhas é a pesca acidental. A segunda é o plástico. [Nina Marcovaldi]
A Nestlé vai investir em pesquisas do Projeto Tamar e na conscientização das comunidades em relação ao plástico. O alinhamento com o Projeto Tamar tem relação direta com a problematização dos canudos, nós já falamos bastante sobre isso por aqui. 1 em cada 3 tartarugas já ingeriu plástico, e em 2050 vamos ter mais plástico o que peixes nos oceanos. Os canudos são especialmente prejudiciais porque são leves, não têm valor de mercado e vão parar nos oceanos, matando as tartarugas perfurando órgãos vitais ou de inanição, já que comem os canudinhos e se sentem saciadas.
O primeiro anúncio da Nescau foi em relação às embalagens tradicionais do achocolatado pronto: agora as caixinhas vão ter instruções de descarte dos canudos, com a nova campanha da marca, #JogaPraDentro: os canudinhos devem ser reinseridos na caixinha depois do consumo pra aumentar a chance de reciclagem, segundo a Fabiana Fairbanks, diretora de bebidas da Nestlé Brasil, que também garantiu que a união dos materiais não é problema pro processo.
A ideia é que o canudo não se perca no pós consumo, evitando ser um perigo pra vida marinha, mas eles ainda são embalados em plástico e as caixinhas também.
As embalagens com canudos de plásticos vão continuar no mercado por enquanto, e a Nescau tá lançando duas novidades: uma embalagem com canudo de papel e uma outra sem canudo. Os canudos de papel vêm em uma caixinha de papelão e não colados na embalagem da bebida como os de plástico (essa ideia tá sendo estudada pra ser comercializada a partir de abril). A proposta sem canudo, vêm com instruções de como beber o achocolatado sem esse recurso. A Fabiana, na coletiva, até sugeriu o consumo com os copos do Menos 1 Lixo :)
O sucesso das duas novas embalagens vai depender do consumo do público: se o Nescau sem canudo brilhar entre os consumidores, ele vai brilhar na produção também. Já os de canudo de papel, depende também do fornecimento da matéria-prima. Hoje, os canudos de papel dessa nova proposta vêm da Coreia e, segundo a Fabiana, não conseguem abarcar toda a produção da marca. E também por isso a iniciativa da inovação colaborativa foi lançada, pra garantir propostas a longo prazo.
Mas aqui no Menos 1 Lixo a gente gosta mesmo é de aprofundar. Vamos?
A campanha é simples e parece muito bacana, não fosse o problema da reciclagem no Brasil: só 3% do nosso lixo é reciclado por aqui e muuuuitas cidades sequer têm coleta seletiva. Essa foi uma notícia, inclusive, que me chocou na cidade-base do Projeto Tamar: Praia do Forte não têm coleta seletiva e todo o lixo gerado nos hoteis, pelos turistas e na cidade não têm projeto de reciclagem da prefeitura. A poucos metros do Projeto Tamar, uma barraquinha vende a água de coco com canudos plásticos e tem muitos deles na areia das praias, onde as tartarugas desovam. O Projeto Tamar tem uma ação incrível e necessária, já que garante que tudo corra bem com elas, os filhotes e todo o processo. Mas fiquei pensando por que hoteis e o projeto (e a Nestlé, por que não?) não se unem pra garantir esse direito pra um dos maiores destinos turísticos do Brasil? Ouvi muito por lá que é um problema exclusivamente da prefeitura (e é!), mas se podemos exercer nosso papel de cidadão… o que impede? Esperar o poder público que já se mostrou desinteressado (a partir da fala de quem mora lá) com a força do Tamar, da rede hoteleira da Nestlé: não precisa, né?
Então, antes de sorrir pro discurso da reciclagem (que é incrível!), é importante entender como funciona o processo e se funciona o suficiente. No Rio de Janeiro, por exemplo, que é uma cidade com coleta seletiva, só 1,9% do lixo é reciclado.
Se você tá sempre por aqui também sabe que Reciclar é um dos últimos R’s da sustentabilidade, como a Fe Cortez já contou. O processo consome água, energia, emite gases de efeito estufa e nós produzimos muito mais do que conseguimos reciclar. Até 2015, nós produzimos 6,9 bilhões de toneladas de plástico e só reciclamos 9%. E a quantidade aumenta exponencialmente: no ano 2000 produzimos 250 milhões de toneladas de plástico e, 15 anos depois, 448. Já descartamos 8 milhões de toneladas de plástico nos oceanos anualmente e já somos responsáveis por uma Ilha de Lixo no oceano Pacífico, que é 16 vezes o tamanho de Portugal.
A Fabiana contou que a Nestlé tem parcerias com projetos de reciclagem no país, como o CEMPRE e o Reciclar pelo Brasil, quando questionada sobre a possibilidade de receber as embalagens do Nescau e garantir o descarte correto e reciclagem das caixinhas. É fundamental que as grandes empresas se conectem com cooperativas e por quem faz a reciclagem acontecer. Mas ainda precisamos falar sobre reciclagem e desmistificar o processo: mesmo países com uma alta taxa de reciclagem, como a Alemanha, atingem 56%. Então, a continuidade da comercialização Nescau com canudinhos plásticos, ainda com a campanha do #JogaPraDentro, é algo pra questionar. A marca reitera que o consumidor não ficaria satisfeito apenas com a opção da embalagem sem canudo, mas com um bom projeto de comunicação, acreditamos que a mudança seria bem aceita pelo Brasil todo. Crianças são adaptáveis e quase sempre dão um show quando falamos em sustentabilidade.
Segundo a Fabiana, a indústria ainda não se estruturou o suficiente pra receber a demanda dos canudos de papel em substituição aos de plástico em grande escala. Além disso, ela contou que ainda existe um apelo muito forte das famílias brasileiras pelo uso do canudo e a ideia é sugerir a nova experiência de consumo gradativamente.
Depois que falamos sobre a reciclagem, vamos falar sobre os canudos de papel? Eles apareceram como a solução de todos os problemas do plástico nos últimos meses e são, definitivamente, muito menos impactantes do que os descartáveis de origem fóssil. O papel é de fonte renovável e biodegradável, claro, mas se substituirmos todos os canudos plásticos por eles, será que não vamos substituir também o problema? Ele é biodegradável, mas ainda é descartável, né? A produção de canudinhos de papel em larga escala pode prejudicar outros ecossistemas, que não os marinhos: desmatamento pra plantação de eucalipto pra celulose, que consomem água pra caramba, árvores transgênicas e muitos outros problemas que podem surgir. Perguntamos se a Nestlé Brasil acompanha essa produção, ainda que seja na Coréia, e a Fabiana me garantiu que sim.
A iniciativa é válida e todo esforço pra trazer a consciência ambiental do perigo dos descartáveis (especialmente pras crianças) precisa ser celebrado. Muito porque o produto ainda atinge muitas famílias brasileiras por aí (o Brasil é enorme!) e se rolar um questionamento, tá valendo! Mas o discurso da reciclagem é uma questão importante pra ficar de olho na eficiência do projeto. Não faz sentido essas embalagens de canudos plásticos ainda serem envolvidas em plástico e cada canudinho também. A Fabiana disse que é um procedimento de segurança, pra garantir a higienização do produto, mas precisamos pesquisar outras alternativas e de mais coerência e transparência nesse discurso. Esse plástico é pequeno, sem valor de mercado e com certeza se perde no pós consumo, prejudicando bastante o meio ambiente, os oceanos e muito provavelmente as tartarugas.
Sabemos que a mudança é mais lenta e complexa do que imaginamos, mas precisamos entender (mesmo!) que não temos muito tempo pra reverter a situação trágica e perigosa do consumo dos nossos descartáveis. Por isso, celebramos a sugestão das embalagens sem canudo, e torcemos pra que, em breve, ela seja o principal produto da marca. E a sugestão que fica: se você consome Nescau Pronto, opte sempre pela embalagem sem canudos e exerça o seu poder de consumo. O poder da carteira ainda é o nosso maior e principal aliado, especialmente em situações como essa. Combinado?
E se você tem alguma ideia bacana (temos várias!), escreve lá seu projeto. Vai que a gente consegue dar esse forcinha :)
O evento foi na Praia do Forte e fomos recebidos pela Nestlé Brasil no aeroporto de Salvador e com um jantar no dia de chegada. No transfer para o hotel, fomos recebidos com um lanchinho em embalagem plástica, com frutas embaladas em plástico-filme. Durante o jantar, no hotel, alguns petiscos, como a casquinha de siri, foram servidos em louça, mas com talheres plásticos e os sucos com canudos oxi-biodegradáveis. Uma dica: sempre que fizer um evento que preza pela sustentabilidade, preste atenção nos detalhes.
Em 1º de Janeiro de 2015 nascia o Menos 1 Lixo, um desafio pessoal da Fe Cortez, de produzir menos lixo e provar que atitudes individuais somadas constroem um mundo mais sustentável.