Peèle e Yentl: o equilíbrio entre os centros urbanos e a vida na roça

Peèle e Yentl: o equilíbrio entre os centros urbanos e a vida na roça

Publicado em:
8/5/2016
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A proposta era para assumir um cargo que não tinha nome nem escopo definido. Mesmo nunca tendo morado sozinha, nem nunca tendo conhecido São Paulo (nem ninguém que morava na cidade), para ela, não fazia sentido recusar a proposta. Isso porque a oportunidade de aprendizado, de viver novas histórias e de se colocar em prova só poderia resultar em crescimento.

Peèle nasceu no Vale do Paraíba, mas logo se mudou para uma cidade bem pequena no interior de Goiás e acho que foi o primeiro choque cultural que teve na vida. Passou a ter um contato bem intenso com a natureza e com uma vida mais rural. Aos 15 anos se mudou para Brasília, onde foi forçado a sofrer uma ‘descaipirização’ para poder se incluir na cidade e nos novos círculos de amigos. Foi em Brasília que ele começou a trabalhar com design e propaganda. Três anos mais tarde se mudou pra São Paulo. Sua vida é marcada por adaptações. Por ser sempre ter chegado “de fora”, nunca gostou de ser visto dessa forma. Por isso sempre tentou ao máximo se adaptar à cultura local. Cresceu bem rápido na profissão e em 10 anos já tinha trabalhado em mais de 10 agências em São Paulo.

Daí eles se conheceram e a história só ficou mais interessante. Vale acompanhar e se inspirar com o bate-papo que nós tivemos! ;)


(foto: Eduardo Foresti)


Saímos de São Paulo sem um plano. Cada troca de cidade foi o reflexo de uma oportunidade que criamos ou que nos foi apresentada. Nelas vimos o potencial de experimentar e aprender com ambientes, pessoas e projetos inspiradores.

O convite para ir para os Estados Unidos foi quase irrecusável: estávamos em uma fase da vida sem muitas amarras em um lugar específico. Tínhamos saúde, curiosidade e uma proposta de emprego. A experiência nos trouxe muito mais aprendizados que a gente imaginaria. Por mais que os Estados Unidos carreguem uma característica de muito consumo, praticidade e autossuficiência, a gente extraiu uma boa lição disso: nos tornamos muito mais responsáveis, pró ativos e "mão na massa".

Depois de alguns anos na costa leste, escolhemos nos mudar para a costa oeste em uma área bem específica de LA. Essa área parecia ser o ambiente mais fértil para os novos formatos de trabalho, de convívio com as pessoas e de trocas culturais que a gente buscava. E foi realmente onde nos sentimos inspirados e seguros para plantar todas sementes que acreditávamos, mesmo sem ter muita certeza do fruto que elas trariam. O sentimento de acolhimento e afinidade com as pessoas e o lugar é fundamental para qualquer construção, e achamos que esse foi um dos maiores aprendizados e confirmações que tivemos.

Por isso que o convite para desenvolver um projeto no Inhotim só nos pareceu integral porque a gente foi morar lá dentro, literalmente. A afinidade com o lugar e pessoas era a premissa. Para isso acontecer, precisávamos de um tempo de encontro. Daí a mudança de Los Angeles para Brumadinho.


(foto: Arthur Soares Henriques)


Foi quase sem querer. Tínhamos a consciência de que estávamos em uma fase legal nas nossas carreiras, mas ao mesmo tempo queríamos encontrar um lugar nosso. Hoje entendemos que era uma busca inconsciente por um refúgio. Um local fora da frequência urbana, que é caracterizada por muito excesso, desperdício, pressa e um pouco de alienação. Como uma brincadeira de finais de semana, começamos a procurar terrenos, casas ou qualquer espaço que estivesse disponível. Depois de algumas buscas, o Peèle lembrou de um carnaval que passou em São Luiz do Paraitinga e procurou no Google. Quando ele deu um zoom, viu um pontinho vermelho no meio de uma região bem isolada. Lá estava Catuçaba: 800 habitantes, um dos últimos redutos genuinamente caipiras do país. Um dos poucos lugares onde ainda existe o festival das Cavalhadas, que é uma festa que marcou a infância do Peèle em Goiás.

Cinco anos se passaram e hoje moramos no sítio. E essa decisão também foi quase sem querer. Porque acabou não sendo uma questão de escolha; foi apenas seguir o fluxo que nossas próprias decisões e buscas ditaram. Todos nossos sonhos, todos valores que queremos exercitar, todo conhecimento que queremos aprender e trocar têm o sítio como o cenário mais rico para isso acontecer.


(foto: Arthur Soares Henriques)


Longe dos centros urbanos não podemos, nem queremos estar. Pelo menos alguns dias por mês estamos em algum grande centro urbano. Metade das nossas inspirações nascem e se desenvolvem nas cidades: amigos, ideias, projetos, novidades. Temos necessidade e nos alimentamos disso como todos. A diferença é que nossa decisão é de fazer a “digestão” de tudo no campo, mais perto da natureza, com outro tempo e no encontro com outros estímulos.


(foto: Arthur Soares Henriques)


Percebemos que vivemos em uma sociedade muito centralizadora, e infelizmente isso não é nada eficiente. Acreditamos que o futuro vai se basear em uma descentralização que vai ocorrer em todas as áreas. O êxodo urbano vai ser só um desses sinais. Achamos que uma vida descentralizada é muito mais eficiente, libertadora, saudável e com menos desperdícios.


(foto: instagram Yentl)


Estamos aprendendo diariamente sobre sermos éticos, estéticos, processuais e ecológicos. Quando falamos de ética, falamos da dependência que existe entre a gente e o que está ao nosso redor. É fundamental nesse cenário ser responsável do início ao fim, com as coisas e pessoas. É pensar - e não compensar. É ser feliz e se sentir incluído por tudo que nos cerca.

Sobre nos tornarmos mais estéticos e processuais queremos dizer que mais do que valorizar só o produto ou a chegada, a gente passa a valorizar a beleza do processo. Adicionamos uma quarta dimensão a cada palavra, projeto, atividade ou relação. Essa dimensão é o tempo, e não a velocidade do tempo. Mas sim o processo, a história. Quando a gente olha cada coisa e tenta entender o porquê, ou como ela chegou até ali, a gente abre o caminho para a inovação, para a criatividade e para a colaboração.

Sobre sermos mais “ecológicos”, é porque achamos que a tecnologia mais avançada é a natureza. Ela é a resposta. Há muito o que se aprender com ela. Só de observar, pesquisar e trocar conhecimento com o pessoal sábio que mora na roça, a gente passa a respeitar e a nos conectar bem mais com as leis da natureza.


(foto: Arthur Soares Henriques)


A gente abriu a casa faz um ano e meio, depois de resolver agir em cima de uma certa frustração profissional que nos acompanhava. Nossa busca foi por formatos de trabalho e por projetos que tinham objetivos e conteúdos distantes daqueles que o mercado em que vínhamos trabalhando girava em torno. Decidimos que já era hora de usar a insatisfação como trampolim, e focamos no que realmente acreditávamos e nos fazia sentir úteis e motivados.


(foto: Arthur Soares Henriques)


A adaptação foi processual e orgânica. Não foi um choque porque nossa história estava nos trazendo até ali. Já tínhamos nossa “quebra” do extremo urbano quando saímos de SP. Só de sair de um grande certo urbano já é uma mudança. E ainda pra outra cultura (independente se é estrangeira ou não), mais ainda. Além de automaticamente nos tornarmos mais responsáveis por nós mesmos, ao morar em uma cidade muito pequena (South Beach), aprendemos outras escalas, tempos e distâncias. Mas também moramos em uma grande cidade, Los Angeles - em uma área escolhida a dedo - onde a proximidade com a produção local, as novas formas de economia e trabalho e a apreciação ao alimento eram valorizados… Assim o exercício e as trocas eram constantes. Também morar dentro do Museu, nos ensinou muito sobre autonomia, viver sem uma grande infra, saber respeitar e aproveitar o tempo das coisas.


(foto: Arthur Soares Henriques)


Felizmente temos água na propriedade, e nosso trabalho maior está em preservar as nascentes e os corpos d’água. Claro que a questão sistêmica da água também está diretamente ligada nas nossas escolhas: reflorestar para equilibrar as chuvas e deixar o solo mais firme; usar o mínimo de produtos nos afazeres da casa; economizar no uso de água, etc.

Sobre energia, temos planos de implantar fontes alternativas. Usamos a solar para um sistema que fizemos de irrigação da horta, com água da cachoeira, pros tempos de seca. Mas como ainda é uma tecnologia cara, nesse momento nossos recursos estão indo para outras questões de infra estrutura que já ajudam a desenhar o sistema sustentável que a gente quer.

O plantio, cuidado com horta, ordenhação das vacas, feitio do queijo, manutenções e cuidados da casa são nossas tarefas diárias - de domingo a domingo -, que a gente se divide e organiza em uma rotina.


(foto: Arthur Soares Henriques)


Um fato é: aqui produzimos muito menos lixo. Muito do que consumimos diariamente vem da terra, dos animais ou de vizinhos… Por isso, tudo vem sem embalagem. Isso já reduz muito a produção de resíduos.  A maioria das coisas com embalagens que usamos são de uso prolongado (pacote de farinha, por exemplo), ou seja, não são descartes diários.

Em Catuçaba não há coleta seletiva ainda, mas como nosso descarte orgânico vai direto para terra, nossa sacola de lixo vai praticamente seca...

Sobre esgoto, estamos adotando o banheiro seco, que é super simples e útil. A serragem com os resíduos acaba virando composto orgânico.

E sempre temos em menteos processos que fazemos aqui, para tentar aprender a ter o máximo de eficiência nisso também. Por exemplo: evitamos ao máximo o desperdício de comida, cozinhando sempre o necessário; o soro que sobra do feitio do queijo, quando não usado, vai para as galinhas; as cascas de mandioca e folhas varridas, viram matéria orgânica pra horta; plantamos em consórcios pra enriquecer e otimizar a horta, etc.


(foto: Arthur Soares Henriques)


Por mais que tente e queira, a gente não consegue ter uma visão clara, rígida e desenhada do que queremos ser, ter ou fazer no futuro! Sabemos (por experiências próprias de muitas tentativas e erros!), que as coisas de definem ao longo do processo, quando a mão está na massa, quando estamos entre um projeto e outro, quando os inesperados surgem e precisamos decidir baseados em incertezas.

Mas o que sempre resta e é firme, o eixo, são os valores que a gente quer estar sempre exercitando e aprendendo. São valores que quando a gente sente que estão presentes nas coisas que a gente tá construindo, escolhendo, nos dão aquela sensação de que os dias valem a pena. E quanto mais a gente cavoca essas oportunidades, mais aquele fio de intuição se manifesta e ajuda a costurar nosso caminho.

Então, os planos são seguir em movimento: trocando, inventando e criando sempre de forma consciente, tendo motivações relacionadas à criatividade, ao relacionamento com gente querida e interessante, à comida boa, à tecnologia bem utilizada e à conexão com o que é espontâneo e natural.

Talita Gamboa
Por:
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