Repetir roupa é muito mais do que repetir

Repetir roupa é muito mais do que repetir

Publicado em:
25/7/2017
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Vou sair com minhas amigas e começo a me arrumar. Coloco uma roupa e penso  “Uhm, essa não.” Troco de roupa várias vezes. Nada me satisfaz. Bate um leve desespero, olho para o meu armário cheio de roupas e penso “Não tenho nada pra vestir”.

Vou fazer uma viagem de 20 dias e preciso arrumar a mala. Abro meu armário e penso “O que vou levar?”. Separo peças que considero especiais, que me deixam bonita e me fazem sentir bem, pois na viagem quero estar bem todos os dias e em todas as fotos. 20 dias, 50 peças, vai que eu preciso de um gorro de lã ou um um biquíni? Temos que ser versáteis afinal de contas... Meu namoradx vem morar comigo, preciso dividir o armário com ele e penso: ferrou! Tenho muitas roupas! E agora?

Você se identifica com alguma dessas situações?

Se a resposta foi – Não, nunca passei por isso. Parabéns! Há grandes chances de você praticar o consumo consciente (mesmo que de forma inconsciente).

Mas tenho certeza de que essas situações te lembraram alguém. Já se sua resposta foi – Sim, já passei por isso. Pode ficar tranqüilo! Você, eu e mais uma grande parcela da população (do mundo) fazemos isso.  Fazemos o que?

‍(Durante o Fashion Revolution, a Karin Dreyer do Blog Por Favor Menos Lixo, usou o mesmo look durante 4 dias)

Consideramos (em algum momento) roupas como descartáveis!

Pera, eu não considero roupa descartável não, afinal eu doou pra instituições de caridade quando eu não uso mais… Mas… se temos roupas mais especiais, por que gastamos nosso dinheiro com outras que não são especiais? Se uma roupa está acabadinha e não serve para ser vendida (pois ninguém vai querer comprar), por quê ela serve para doação? Alguém merece nossa roupa mais acabadinha? O que leva uma pessoa a ter (mais) roupas que o suficiente e sentir que não tem nada pra vestir?

Antigamente (Ah, vai! Nem tão antigamente assim! Pergunta pra galera de 45 anos pra cima ;) as pessoas tinham menos roupas. Roupas eram caras. Eram feitas de matéria-prima natural (algodão, linho, seda etc.). Leva muitos anos até um algodoeiro crescer e produzir a matéria-prima. Fora que quanto mais gente no mundo, de mais algodoeiros precisamos. A seda então, nem se fala! Artigo de luxo, foi motivo de muitas desavenças, pois havia tráfico do casulo do bicho da seda (vejam um exemplo no seriado “Marco Polo”). Além da matéria-prima, era necessária mão de obra especializada. Os alfaiates e costureiras tinham seus ateliês. O ofício da costura era mais personalizado. Quem não podia pagar, se esforçava muito para poder e as roupas eram passadas (com orgulho) dos pais para os filhos. Ou seja, eram consideradas bens (no sentido de ativos/propriedades). Dessa forma, as pessoas repetiam mais as roupas. Reparem nas novelas, filmes e séries que retratam épocas anteriores às décadas de 60 ou perguntem aos seus parentes. Não era considerado feio, nem visto com preconceito. Simplesmente era assim.

‍(Legenda: O americano médio descarta 37 quilos de resíduos têxteis por ano)

Com o desenvolvimento do plástico em fibra (o tal poliéster na etiqueta das nossas roupas) na década de 50, muita coisa mudou. Por ser uma matéria-prima mais barata e de obtenção mais rápida, já que vem do petróleo, dá pra sair produzindo pra caramba, cobrar menos e fazer a galera comprar mais. Assim quem não podia comprar roupas, passou a poder, e quem já podia comprar, passou a poder muito mais. Com isso aconteceu uma grande desvalorização dos artigos que compõem a vestimenta e tudo que deriva da cadeia de produção.

Ao contrário da galera de antigamente, hoje poucos sabem como são feitas as roupas. Elas chegam prontas na loja e nem a vendedora sabe explicar sobre o tecido, ou sobre o tingimento. A relação costureira - cliente se perdeu, pois agora compramos de marcas, que têm por objetivo lucrar cada vez mais. Essa terceirização do setor influenciou e muito no nosso comportamento como consumidores. Em grande parte, as roupas eram produzidas por profissionais locais. O contato com o profissional existia, além de se ensinar corte e costura nas escolas e em casa. A proximidade com esse processo nos fazia valorizar mais cada item. Vocês têm ideia de quantas horas são necessárias desde a modelagem até a finalização de uma camisa de tecido por exemplo? Ir na loja, comprar uma calça na promoção torna o processo todo fácil. E quem valoriza o fácil? E se é fácil de adquirir, não pesa tanto a decisão de descartar. Assim, temos mais e usamos menos. Compramos mais e valorizamos menos. Acumulamos mais e? Descartamos mais (achou que eu ia falar menos, né?). Mas pra onde vai isso tudo (o dinheiro e as roupas descartadas)?

Quem me conhece, sabe que eu adoro falar mal do plástico no meu blog e redes sociais e que sempre elucido o impacto ambiental do nosso consumismo. Mas vou tentar não falar disso, ok? Sorry, não consigo! É mais forte do que eu!!! Vamos lá: as fibras sintéticas das roupas mais modernas não se desintegram. E como a indústria não para de produzir e nós não paramos de consumir e descartar, temos pilhas e mais pilhas de plástico em forma de tecido indo parar nos lixões, aterros sanitários e meio ambiente. Isso tudo acaba se voltando contra nós, que inalamos ou ingerimos essas fibras através da carne de animais, água ou solo contaminados (sempre bom lembrar que plástico é derivado de petróleo). Alguém aqui quer se contaminar? O processo de produção também é bem poluidor. Fibras sintéticas precisam de tintas sintéticas que também sujam nossa água. E a emissão de CO2? Nem vou falar de aquecimento global, porque tem gente, Trump, que não acredita, mas isso daria outra pauta, que acho que a Fê já escreveu por aqui). Mas temos provas de exploração de mão de obra escrava (Já viram o documentário “The True Cost”?). Para que nossas roupas sejam baratas, muitas marcas abusam de pessoas que aceitam trabalhar nas piores condições possíveis. Alguém aqui gostaria de trabalhar como escravo? Mas então por que nós consumimos um produto feito nessas condições?

Então gente, está mais do que na hora de resgatar o hábito da galera de antigamente (Perceberam que eu amo a galera de antigamente? rs) de valorizar mais o que já temos. Vamos trocar a expressão “repetir roupa” por “usar mais vezes o que temos”. Dessa forma, estamos reconhecendo os esforços de quem produziu, estamos valorizando nosso dinheiro, estamos economizando tempo, fora diminuindo todo o impacto de poluição. Só coisa boa! E, se no final das contas der vontade de comprar, tudo bem. Mas que a compra seja um prazer consciente e não o princípio de um descarte. Vamos aproveitar o gancho da Fe Cortez e da Lilian Pacce com o desafio #1Lookporumasemana! Várias pessoas toparam e tenho certeza de que será uma experiência transformadora!

Nota da editora: a Karin foi uma das convidadas para participar do desafio da Fe, que você acompanha pelas redes sociais do Menos 1 Lixo ou da Fe. Pra saber mais, leia aqui.

https://www.instagram.com/menos1lixo/

https://www.instagram.com/fecortez/

*A Karin Dreyer é produtora cultural e adepta do estilo de vida Desperdício Zero (Zero Waste), onde se busca uma rotina com o mínimo de descartes e produção de lixo possíveis. Em seu blog - Por Favor Menos Lixo - e redes sociais, divide com os leitores suas escolhas para o dia a dia dentro e fora de casa, afim de desmistificar a ideia de que práticas sustentáveis sejam difíceis. 

Fontes: Relatório sobre o Poliéster
Site Ecycle: os problemas da fibra popular

Sites:

Fashion Revolution
History of clothing

Documentários e séries: The True Cost e Marco Polo

Karin
Por:
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Sobre o movimento

Em 1º de Janeiro de 2015 nascia o Menos 1 Lixo, um desafio pessoal da Fe Cortez, de produzir menos lixo e provar que atitudes individuais somadas constroem um mundo mais sustentável.

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