Por que precisamos falar sobre desigualdade de gênero na moda se quisermos uma indústria mais sustentável

Por que precisamos falar sobre desigualdade de gênero na moda se quisermos uma indústria mais sustentável

Publicado em:
21/3/2019
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A moda é uma indústria que vende massivamente para as mulheres. O mercado de moda feminina global é estimado em 621 bilhões de dólares, (sem somar a esse montante o mercado de noivas, que gira em torno de 57 bilhões) em face de 402 bilhões de dólares do mercado masculino.

O grosso da produção desse mercado também está em mãos femininas. No Brasil, 75%da mão de obra da indústria são mulheres. No mundo, esse montante chega a 85%. Do chão de fábrica ao varejo, sem deixar de lado as lavouras de algodão, as mulheres são presença massiva na rede produção e venda da moda.

A presença feminina também é quase total nos cursos da área. A Fashion Institute Technology, uma das escolas mais conceituadas de moda do mundo,afirmou que 85% de seus estudantes em 2014 eram do sexo feminino – média que variou muito pouco com o passar dos anos.

‍Mas onde estão as mulheres?

Como todas as outras indústrias e áreas de negócios, a moda é bastante desigual quando falamos de raça e gênero. Das 50 maiores marcas de moda,apenas 14% são lideradas por mulheres e não há nenhuma mulher entre os 10 CEOs mais bem pagos da indústria. Além de faltar mulheres nas posições de liderança e CEOs, nem 25% dos altos cargos das maiores empresas de moda são femininos.

As mulheres estão entrando em maioria díspar no mercado de moda, mas elas não chegam no topo e estão longe de ditar as regras.

Corte para as passarelas, onde, supostamente, a criatividade reina. Numa pesquisa feito pelo Business of Fashion, em 2016, dos 371 designers por trás das 313 marcas que desfilam durante as quatro semanas de moda mais importantes do mundo (NYC, Londres, Milão e Paris), apenas 40,2% eram mulheres. Um cenário parecido acontece no Brasil.

Para descobrir como e porquê uma indústria majoritariamente feminina mantém desigualdades gritantes, o Council of Fashion Designers of America,a revista Glamour e consultoria McKinsey & Company se uniram para entender o cenário. O estudo “The Glass Runway: Gender Equality InFashion”  resume as respostas de 535 pessoas da indústria da moda sobre o tema - de estilistas independentes a líderes de grandes grupos de luxo,além de algumas dúzias de entrevistas com homens e mulheres da moda para entender suas percepções de gênero no ambiente de trabalho e carreira.

Contrariando quem diz que são as mulheres que não querem ir mais longe, a pesquisa mostra que a desigualdade pouco tem a ver com falta de ambição.

O estudo concluiu que no começo da carreira e até determinado nível profissional,mulheres são mais dispostas a pedir promoção e aumento do que os homens, assim como se mostram mais interessadas em chegar no cargo máximo de liderança.Elas param de pedir promoções e mudam suas ambições depois de um tempo, quando elas passam a entender que, a partir de um determinado nível, o clube é do bolinha.

A pesquisa não olha para a rede produtiva da moda, como as oficinas de costura,por exemplo. Porém, quem tem um pouco de proximidade com o chão de fábrica e um olhar atento sabe que os padrões de desigualdade se repetem: mulheres ganham menos que homens, sejam por executarem serviços entendido como inferior,seja por simplesmente serem mulheres.

Ilustração por Janice Sung

Podemos falar sobre isso?

A desigualdade é alimentada por percepções sociais e culturais particulares da indústria criativa, como é o caso da linguagem que fomenta o consciente coletivo de que homens são melhores estilistas e melhor orientados criativa e artisticamente do que mulheres. Soma-se a esse fator às barreiras sistêmicas que afetam todas as outras indústrias, como o desequilíbrio no peso das responsabilidades domésticas, uma educação que não ensina mulheres a se reconhecerem como profissionalmente capazes, a crença de que homens são melhores líderes, etc.

Mas ela se mantém porque os homens não estão dispostos a conversar sobre isso, ou melhor, dizem acreditar não haver um problema de gênero na moda.

No estudo do CFDA, 100% das mulheres entrevistadas disseram que a desigualdade de gênero é um problema na indústria, comparado com menos de 50% dos homens.Essa discrepância é confirmada quando olhamos para outros estudos e pesquisas.O 1º Índice de Transparência da Moda, realizado pela ONG Fashion Revolution Brasil, em parceria técnica com o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (FGVces) e apoio institucional da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX), cujo principal objetivo é avaliar em que medida grandes marcas da indústria estão divulgando publicamente suas informações em prol de uma maior prestação de contas, analisou 20 das maiores marcas atuante sem território nacional e descobriu que:

- 1 marca publica dados sobre a prevalência de violações trabalhistas baseadas em gênero nas instalações de fornecedores;

- 1 marca divulga anualmente a diferença de salários entre os gêneros dentro da empresa;

- 1 marca publica a divisão por cor ou raça, considerando dados de diferentes níveis hierárquicos;

- E apenas 30% das marcas publicam uma estratégia e metas quantitativas relacionadas ao empoderamento das mulheres. 

No âmbito das mulheres empreendedoras, que abrem seu próprio negócio, e não estão sujeitas às regras corporativas, não devemos nos iludir achando que elas estão imunes ao preconceito de gênero. Carly Cushnie, co-fundadora da marca Cushnie et Ochs, contou aos pesquisadores sua experiência ao entrar em uma sala de investidores do sexo masculino que disseram coisas como “Então, você está administrando a empresa?” E “Não há mais ninguém aqui?”

Ela ressaltou:

“Também é mais difícil para as mulheres obter financiamento, obter empréstimos para negócios. Muitas estilistas não são encaradas da mesma maneira que um homem em termos de ser designer e empresária… Você é considerada um investimento de risco,especialmente em uma indústria que geralmente é arriscada para qualquer investidor.”

Isso pode explicar porque mulheres recebem menos de 3% dos investimentos quando o assunto é venture capital – até a presença de uma mulher no corpo executivo da empresa está relacionada com menor níveis de financiamento. Não é difícil imaginar que o cenário para as mulheres negras é ainda pior porque, apesar de toda a sua suposta criatividade, vanguardismo e disrupção, a moda segue sendo,majoritariamente, uma indústria ultrapassada e racista, com pouca ou nenhum política de promoção de equidade racial.

Precisamos falar sobre isso.

No livro Womenin Green – Voices of Sustainable Design, de 2014, os autores Kira Gould eLance Hosey foram investigar como os dados responsáveis por mostrar que mulheres são mais inclinadas a apoiar questões ambientais por meio do voto, do ativismo e de escolhas de consumo poderiam se relacionar com o universo do design. As pesquisas dos autores, somadas ao que já temos de informação de estudos quantitativos e qualitativos com uma percepção material do universo da sustentabilidade nos prova que para a mudança que queremos na indústria da moda, no design e na sociedade como um todo, as mulheres são fundamentais, assim como a diversidade nos ambientes de trabalho.

Tamsin Lejeune, criadora do Ethical Fashion Forum/My Source e responsável por levantar a bandeira da moda sustentável há quase dez anos, já destacou  a importância das mulheres na liderança se quisermos realmente transformar a indústria da moda. Porém, a liderança precisa também ser reconhecida. Essas mulheres que são pioneiras e estão liderando a mudança necessariamente são as que precisam sentar nas rodas de conversa e mesas de debate em eventos que carregam esse tema, são elas também que devem ter o trabalho reconhecido e incentivado pela mídia, pelos investidores e por outras empresas parceiras.

Prestemos atenção e questionemos as relações sociais estabelecidas dentro e ao redor da moda (e das tendências de transformação), pois não há novo se o novo faz exatamente igual ao velho, ou seja, tira proveito das relações de poder estabelecidas pela sociedade e desvia o olhar dessas pautas ‘inconvenientes’,sem praticar o que, de fato, seria disruptivo e inovador.

Se queremos uma moda mais sustentável, com toda a complexidade que essa palavra carrega, não vamos chegar lá sem olhar para as questões de gênero, raça e classe que pesam absurdamente nessa indústria. Como Tansy Hoskins nos lembra:

“Não há ilusão maior que a do reformismo utópico que acredita que você pode fundamentalmente mudar um sistema sem tocar em suas relações de poder.”

Marina Colerato é ativista e fundadora da primeira plataforma sobre moda sustentável do Brasil: Modefica

Marina Colerato
Por:
meio
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Em 1º de Janeiro de 2015 nascia o Menos 1 Lixo, um desafio pessoal da Fe Cortez, de produzir menos lixo e provar que atitudes individuais somadas constroem um mundo mais sustentável.

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