Crônica I Sobre o que Curitiba, minha filha de 6 anos e 1 copo me ensinaram

Crônica I Sobre o que Curitiba, minha filha de 6 anos e 1 copo me ensinaram

Publicado em:
7/11/2015
No items found.

Curitiba imprimiu alguns legados na minha vida. Dez anos e 840 km me separam da cidade onde nasci, mas algumas lições de lá continuam vivas. Corta para a minha infância. Eu fui mais uma, dentre tantas outras crianças, que levou o conceito de separação do lixo para dentro de casa. Não tinha como resistir à Família Folha cantando: “Lixo que não é lixo. SE-PA-RE!”. 

Mais uma lição. Uma campanha publicitária, protagonizada por alguns “animais” e posicionada na divisa da ingenuidade com o nonsense, foi responsável por reduzir 85% das infrações abordadas. Funcionou porque ninguém queria ser a perua que parava em fila dupla, o rato que furava o sinal vermelho e a anta que bloqueava o cruzamento. Quando eu era pequena, ficava de olho no meu pai, o motorista da casa. Depois que tirei minha carteira de motorista, a imagem da anta passou a me assombrar. Se existe 5% de possibilidade do meu carro bloquear o cruzamento, eu não saio do lugar. Podem buzinar, cariocas - mas eu não saio. :)

Fico imaginando o efeito que essas duas campanhas simples provocaram nas crianças que cresceram em Curitiba na década de 80. Hoje, essas crianças já são pais de outras crianças. Ou seja, as campanhas de separação do lixo e de conscientização dos motoristas já impactaram 3 gerações: as crianças da década de 80, seus pais e seus filhos. Não separávamos o lixo porque estávamos preocupados com a pegada ecológica ou porque tínhamos medo do lixo dominar o mundo. Era muito mais simples. Na lógica infantil, a gente separava o lixo porque não havia motivo para não separar. Se o lixo não é lixo: SE-PA-RE!

Todo esse preâmbulo para chegar, finalmente, nas lições que Bianca, a minha filha de 6 anos, e 1 copo me ensinaram.

1- Sobre a responsabilidade em criar a conexão dos meus filhos com a natureza

Com 4 anos, Bianca fez um drama enorme assim que chegamos em uma pousada em Secretário. Afastada da civilização, a pousada tinha um quê de roots, e além da cachoeira que formava uma piscina, parecia ter todos os tons de verde. Um sonho! Mas antes mesmo das malas chegarem no quarto, Bianca aliciou o irmão para sabotar a viagem. Plantaram-se firme em posição de “não-estamos-dispostos-a-negociar” e decretaram com voz de choro: “A gente quer voltar para o Rioooo!”. “Por que?" - perguntou a mãe incrédula, já sentindo uma enorme culpa por ter criado filhos tão urbanos. “Porque aqui tem muito bicho, mamãe!! Tem abelha, aranha, mosquito. A gente quer voltar para o Rioooo!”.

Nesse dia, passei a pensar mais seriamente sobre a minha responsabilidade por conectá-los com a natureza. E quando eu falo natureza, não é aquele pedaço de verde que você encontra em um resort 5 estrelas, com uma equipe barulhenta de recreadores - é natureza de verdade! Incluindo espaço para contemplação, integração e uma verdadeira conexão. Correndo contra o tempo, comecei a engajar os pequenos na vida fora do asfalto - o que incluiu mais banhos na cachoeira e trilhas na mata, tudo isso a 5 minutos da nossa casa. Na Chapada Diamantina, nosso último destino de viagem, as diversões incluíram: observar sapos depois do jantar, procurar espécies novas para poder batizá-las com um nome esdrúxulo e discutir infinitamente se a cobra coral que a gente viu na Cachoeira do Mosquito era falsa ou verdadeira.

Pra quem ficou curioso: a negociação de Secretário foi resolvida com uma competição. Quem conseguisse tirar fotos do maior número de espécies diferentes, ganhava um prêmio. Não lembro o que ofereci como recompensa, mas conseguimos ficar a semana toda na pousada-que-tinha-muitos-bichos. E, pasmem!, a brincadeira do segundo dia já envolvia alimentar aranhas com mariposas.

Bianca, obrigada pelo drama em Secretário!

2- Sobre a conexão com a Amazônia

Só tive a oportunidade de conhecer a Amazônia em Janeiro deste ano, quando levei meus filhos para lá. Enquanto o nosso barquinho cortava o Rio Negro constatei que a minha conexão com a floresta era quase inexistente. Amazônia, para mim, significava a etiqueta de “pulmão do  mundo”, as imagens dos seringueiros do livro de Geografia da quinta série e aquela parte do vôo de volta dos Estados Unidos que demora horas pra cruzar. Ou seja, até então, o meu relacionamento com a vida deste espaço de terra era tão íntimo quanto o que eu tenho com o Polo Norte.

Ficamos em uma pousada sem frescura. Acordávamos com o sol e dormíamos com a lua. Na bagagem, para distrair, tínhamos apenas alguns livros. Várias noites preferimos desligar o ventilador para dormir com a música dos bichos. As crianças brincaram de pega-pega com os filhos dos ribeirinhos, e na hora do esconde-esconde valia mergulhar no Rio Negro e subir nas árvores, dividindo os galhos com alguns macacos que apareciam por lá.

Foi uma experiência mágica. Por isso, na hora de escolher o tema da festa de 6 anos, Bianca foi categórica: “Amazônia, claro". Porque não tem conto de fadas que se compare com o enredo que vivemos lá! Se a viagem de Secretário foi a introdução dos pequenos ao mundo encantado da natureza, essa viagem para a Amazônia foi a consagração desse relacionamento.

Bianca, obrigada por me livrar de mais uma festa de princesa! :)

3- Sobre o copo

Quando voltamos para Manaus, pegamos outro barco para ver o encontro das águas - onde Solimões e Rio Negro travam uma dança linda, sem se misturar. Foi lindo, mas também feio. Encontramos uma quantidade absurda de lixo boiando na água. O barqueiro esqueceu da gente por alguns minutos para recolher uma parte. Foi ali que Bianca e Nicholas entenderam que o barqueiro não poderia recolher o lixo todo, mas que o pouco que ele conseguia carregar já era o suficiente.

Lembrando desse episódio, ficou batido o martelo na lembrancinha da festa de 6 anos: copinhos do menos1lixo. Ela já tinha me ouvido falar sobre o projeto e eu já tinha mostrado  alguns vídeos do instagram. É o máximo, claro - mas confesso que fiquei pensando na reação das crianças. E pra entrar no clima, Bianca e o irmão ainda quiseram fazer o desafio na própria festa. Adultos e crianças deveriam contabilizar toda vez que economizavam um copo de plástico. As crianças tinham os copinhos, e para os adultos juntei todos os copos da casa - no melhor estilo mix and match :) Foram mais de 150 copos de plástico economizados!

O que eu mais gostei de ver durante o desafio:

Ao contrário de adultos, que já vi fazendo mea culpa quando falam para os convidados colocarem os nomes nos copos para evitar desperdício (por que a gente sempre fica com medo de parecer o eco chato, hein?), Bianca estava completamente desprendida. Os amigos chegavam, ela explicava o porquê de incorporar o copinho e pronto. Ponto final!

Um amigo falou: "mas o copo é a lembrancinha?"" Ela respondeu, na maior inocência (ou, quem sabe, na maior cara de pau): “Sim. E, olha que legal, você usa aqui e ainda pode levar pra casa!”

À medida que a criançada foi marcando com um “x" os copinhos que deixavam de usar, o clima de competição foi tomando conta deles. E eles foram sentindo que a vitória do menos 1 lixo era tanto para a natureza quanto para eles.

Impacto. Uma mãe de uma amiga da Bianca ligou para agradecer e contar que a filha não largava mais o copo e que, inclusive, já havia dado uma chamada nos copos de plástico da escola de ballet. 

O copo me ensinou com eloqüência sobre como engajar os meus filhos com a responsabilidade - consciência e pegada ecológica. Bianca deu uma aula sobre como engajar os amigos, de um jeito simples e divertido. A gente não precisa ser um eco-evangelista-chato para falar sobre sustentabilidade; e não precisa ser binário (faço tudo pela sustentabilidade ou dane-se a sustentabilidade). Como o barqueiro lá de Manaus, cada um faz o que pode - e isso já pode ser o suficiente.

Encerro o texto agradecendo a Fe Cortez, que me salvou com 30 copos do menos 1 lixo, na véspera da festa. E pela ideia genial de diminuir muitas pegadas pelo mundo. Quando a conheci, o olho dela já brilhava por essa causa. Hoje, fico ainda mais feliz de ver o olhinho da Bianca brilhar por isso.

* A Heli é minha amiga desde antes do Menos 1 Lixo nascer. Curitibana de nascimento, Carioca de coração. Mãe-apaixonada do Nick e da Bibi. Formada em Direito e Administração. Já se mudou de casa, de país e de cidade mais vezes do que os dedos das duas mãos. Pulou direto do mundo das start-ups para empreender na economia criativa, fundando a Madame Tutu em 2012. Desde então, já assinou projetos que vão da Chapeuzinho Vermelho a show do Lenine; de Moranguinho a festa no Morro da Urca; de picnic a casamento. Vem daí o bordão da Madame Tutu "Decoração para todos momentos felizes". Além disso a Heli tem uma visão de sustentabilidade incrível, um projeto lido chamado Flor Faz Bem, que leva flores e beleza pras comunidades, usando voluntários que refazem os arranjos de festas que iriam pro lixo. Porque na verdade, o lixo é só aquilo que sobra quando falta criatividade, né, Heli? ;)

Heliene Oliveira
Por:
Gostou do texto?
Compartilhe nas redes sociais esse conteúdo que você acabou de ler e ajude a espalhar a mensagem!
Sobre o movimento

Em 1º de Janeiro de 2015 nascia o Menos 1 Lixo, um desafio pessoal da Fe Cortez, de produzir menos lixo e provar que atitudes individuais somadas constroem um mundo mais sustentável.

Nossas redes
Editorias
Tags em destaque

Você também pode gostar:

Assine nossa Newsletter!

Receba conteúdos, notícias, promoções e novidades do Menos 1 Lixo direto na sua caixa de entrada!
Obrigado! Sua inscrição foi feita com sucesso!
Oops! Something went wrong while submitting the form.