Dias atrás, escrevi na minha página sobre a descoberta das 200 pessoas que trabalharam de forma análoga à escravidão para vinícolas do sul do nosso país. Dois motivos reverberam em mim a necessidade de aprofundar mais sobre o assunto neste artigo: o primeiro é que não param de pipocar novos desdobramentos do caso. O segundo, e principal motivo, é que tamanho absurdo ficou nichado em uma bolha e isso não parece correto. Como pessoas trabalhando de 5h da manhã às 8h da noite, em ambientes degradantes, recebendo comidas estragadas e sofrendo agressões não comove todo o Brasil?
Família Salton, Vinícola Aurora e Cooperativa Vinícola Garibaldi Ltda. Se engana quem pensa que tingir suco de uva com sangue de trabalhador é a única semelhança entre essas vinícolas. As marcas se dizem sustentáveis. A Família Salton diz ter chegado aos 111 anos de marca tendo como foco a sustentabilidade. Já a Vinícola Aurora cita “sustentabilidade para criar um futuro próspero”. Indo mais adiante, a Vinícola Garibaldi garante que a sustentabilidade vai além da produção, “crescendo de forma saudável junto aos seus associados e colaboradores.” Como já bem dizia o saudoso Chico Mendes:
“ecologia sem luta de classes é jardinagem.”
Muitas vezes me pego pensando no que as pessoas acreditam ser o “S” de ESG. Será que se entende o que de fato significa “social”? Muitas organizações acreditam que contribuem para o "social" gerando emprego, fazendo filantropia assistencialista ou implementando um programa de voluntariado. Pensa comigo: não se faz nenhuma mudança, seja pequena ou uma grande revolução, sem pessoas, certo? E se empresas são as engrenagens do sistema, elas podem causar uma transformação real na sociedade, quando decidem questionar o sistema e fazer diferente. Afinal, empresas são feitas de pessoas, e são pessoas que transformam a realidade.
Quando digo que falta um “sacode” da sociedade neste escândalo, o buraco é mais embaixo. Além da falta de comoção, há a falta de empatia. E temos que lidar absurdos que não param no episódio em si. Sandro Fantinel, Vereador de Caxias do Sul, resolveu dar o seu pitaco sobre o caso. O parlamentar disse que os baianos “vivem na praia, tocando tambor” e por isso, “era normal que fosse ter esse tipo de problema”. Ele até tentou (tentou?) se retratar dizendo que foi “mal interpretado” e ainda disparou o clássico “tenho amigos e primos que moram no nordeste.” Falta tudo do que se entende por ética e valores humanos. Sobra xenofobia, racismo, atitudes criminosas - individuais e institucionais.
Temos muito o que refletir sobre esse caso, que por mais surpreendente que seja em pleno 2023, está longe de ser o único acontecendo agora. Mas diante de tanta tristeza e preocupação, uma notícia boa: o suco de uva produzido pelo MST viralizou como alternativa ao suco de mão de obra escrava, depois que a deputada estadual Marina do MST divulgou um vídeo digno de um clássico da Bela Gil ou das Ecodicas da Menos1Lixo. O suco delícia e premiado com medalha de ouro no Wine South America teve um crescimento de 200% nos últimos dias. Cabe até um merchan, né? Saiba onde comprar o suco de uva do MST.
Se você estiver se perguntando como fazer a diferença diante de tudo que está acontecendo, que tal espalhar essas informações compartilhando o artigo? Antes de encerrar, relembro o poder que cada um de nós carrega e não nos damos conta da força dele: o Poder da Carteira. E aí deixo por fim uma entrevista da Fe Cortez que ela didaticamente fala sobre isso. No final das contas, seu dinheiro tá a favor da vida ou contra ela? Vale prestar mais atenção nas marcas que estamos consumindo.
Em 1º de Janeiro de 2015 nascia o Menos 1 Lixo, um desafio pessoal da Fe Cortez, de produzir menos lixo e provar que atitudes individuais somadas constroem um mundo mais sustentável.